Cervantes passou por Lisboa e, com a pressa, veio só D. Quixote. Sancho Pança teve outros afazeres. Então de que estávamos à espera?
Intacto, fica apenas o essencial. O belo arco, onde Gulliver já fez das suas num cenário dos liliputs. Tudo o resto está um caos. Valeu a D. Quixote o monte de terra para onde levou o seu jumento. Dali, (não é o Salvador…., é mesmo o sítio) tem uma vista privilegiada do Tejo que em Espanha já era seu, mas sem o encanto destas margens que levaram tantos Sanchos, não foi o Rei, já estava noutros domínios, coitado, mas os Panças, os espertos indigentes que se safaram de castigos, ou eram curiosos e partiram nas viagens de descoberta e navegaram para nos trazerem a canela e a pimenta. E depois o ouro, lá do Brasil, para que D. José, o verdadeiro cavaleiro do cavalo verde, que ninguém se atreveu a esconder, pudesse apreciar permanentemente o Tejo seu, a cidade bela de luz e, ao virar a cara, também apreciasse a cidade, com a esperança que o Marquês voltasse a pôr ordem e acelerasse obras que nenhum dos personagens desta estória mereciam.
Assim, quase tudo o que está escrito é mentira. A mentira dos marinheiros-ogres, dos moinhos de vento, dos Sanchos que não vieram ou partiram, de D. Quixote feito herói por Cervantes que não esteve em Lisboa e nunca viu ninfas nem Nereides da Ilha dos Amores. Só ficaram os Gulliveres, aqueles que conseguiram colocar e devolver, ao fim de muitos anos, o amarelo na Praça do Cais, chamada do Comércio, das belas Colunas, das pressas e dos encantos, dos encontros, dos olhares que já esqueceram o que talvez nunca vissem (só incomodava) e agora lá está D. José e a sua imponência, e o Marquês em linha recta, a conversarem, sobre Lisboa, sempre, sempre ‘Menina e Moça’!
Foto: Osvaldo Castanheira - Texto: Maria dos Anjos Fernandes