09/11/2012

VER E ESCREVER


Já ninguém mora aqui. Agora só nos resta imaginar e ver através do outro lado do tempo, entrar no passado. E assim, facilmente , vemos um palácio das mil e uma noites, com seus donos e convidados numa festa,  a celebrar o equinócio da primavera. A orquestra, com harpas, címbalos, cítaras e pianolas toca uma balada que celebra as cantigas de amigo. Damas e gentis homens rodopiam no salão, vestidos a preceito, num barroco de folhos, fivelas e cabeleiras. Uns estão compenetrados nos passos de dança, outros servem-se do bailado para que mãos e olhos vão dizendo outras palavras que devem emudecer lábios mas não calar falas de coração. Esta tarefa ou jogo de sedução não quer perder a magia e tornar explícito o encanto do implícito. Aios e pajens fardados a rigor esperam perfilados e ladeando o salão, quase petrificados com tanta beleza pensando se, caso ali estivesse, com quem dançaria a Cinderela. Outras Cinderelas suspiram de alívio: umas porque o minuete acabou e se livram do seu par algo bafiento, de mãos suadas e atrevidas; outras suspiram na tristeza pela rapidez da música agora finda, a meio do encanto com que seu par, garboso fidalgo/mancebo as encantou. São  quase Cinderelas e quase ficam Mouras Encantadas. Gostamos de ver este salão com estes personagens. Ao longe parecem perfeitos hologramas que ali estão para nosso deleite e, a qualquer momento, podem ficar suspensos num hiato temporal para fantasmas futuros serem. Num outro tempo, chegaram o abandono, as intempéries, os vendavais que também passaram por este monte. Reina o silêncio. O céu requisitou nuvens plúmbeas que acautelam as ruínas do palácio que já foi e onde apenas as árvores verdes continuam os ciclos da natureza. Chegam outros olhos para olharem o que restou. Os passos ficam atrás do tempo, só os ouvidos atentos percebem, ao longe, o toque de uma orquestra. Então, de repente, chegam até outros olhos espetros de bailarinos que rodopiam suspensos em si próprios. E, quem olha e vê, conclui que chegou ao presente de um idílico tempo passado, sempre irrepetível e sempre ausente.

Foto de Osvaldo Castanheira
Texto de Maria dos Anjos Fernandes

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